O que você faria pelos seus filhos?
Gustavo Ioschpe
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Gustavo Ioschpe |
Em um
experimento que virou um clássico, o psicólogo Walter Mischel criou o seguinte
cenário na Universidade Stanford no fim dos anos 60: crianças de 4 anos de
idade foram colocadas em uma sala pequena, que continha um marshmallow em uma
mesa. O pesquisador explicava à criança que ele teria de sair, deixando-a
sozinha na sala. Se, quando ele voltasse, a criança tivesse resistido à
tentação de comer o doce, ela ganharia mais um marshmallow. Se capitulasse e o
comesse, não ganharia mais nada. Anos depois do experimento, Mischel foi
acompanhando informalmente o progresso daquelas crianças e notou que havia uma
correlação entre o tempo que elas conseguiram esperar antes de comer o
marshmallow e vários indicadores de bem-estar. Quase vinte anos depois do
estudo original, Mischel e colegas mediram objetiva e cuidadosamente suas
características, e os resultados foram surpreendentes: vários dos atributos
mais importantes para seu sucesso podiam ser previstos pelo tempo a que
resistiram ao marshmallow aos 4 anos de idade. Uso de drogas, peso corporal e
até os resultados no SAT, o vestibular americano, estavam significativamente
associados ao autocontrole demonstrado diante das guloseimas. A capacidade de
sacrificar um pequeno ganho presente (comer um doce) pela possibilidade de um
ganho maior no futuro (dois doces) se relacionava com o bem-estar em dimensões
bem mais sérias ao longo de toda a vida.
Países
são mais complexos que pessoas, e o estado de um país não é igual a uma simples
soma dos atributos de seus habitantes. Mas creio que a diferença entre o todo e
a soma de suas partes também não pode ser muito diferente, especialmente se
esse país é uma democracia. E quero postular aqui que grande parte dos
problemas que o Brasil enfrenta se deve à nossa incapacidade de fazer essas
trocas intertemporais, de aceitar sacrifícios presentes para colher ganhos
futuros. A tese não é original — Eduardo Giannetti já a traçou com mais
brilhantismo e sutileza em seu livro O Valor do Amanhã —, mas me parece merecer mais atenção
do que a que lhe é costumeiramente devotada.
Se tivesse de fazer um resumo
grosseiro do que é o processo de desenvolvimento econômico, diria que depende
de pessoas, dinheiro e instituições. Quando falo de pessoas, quero dizer
produtividade, já que as outras variáveis — como o número de horas trabalhadas
ou a fatia de pessoas empregadas — podem rapidamente bater em um limite
intransponível, enquanto a produtividade pode aumentar indefinidamente. E ela
está diretamente relacionada à educação. No quesito dinheiro (capital), a
variável mais importante é a taxa de poupança. Que, grosso modo, determina
aquilo que os agentes econômicos poderão investir. Sem investimento não há
crescimento.
Por instituições, entenda-se o
arcabouço jurídico que garante estabilidade e previsibilidade a empreendedores
e trabalhadores, especialmente no que tange à proteção da propriedade. Desses
três fatores, só as instituições não são, direta e explicitamente, fruto de
trocas intergeracionais. Fazer poupança e criar um bom sistema educacional são
atividades em que o sacrifício dos pais está umbilicalmente atrelado ao
bem-estar dos filhos. E creio que não é por acaso que o Brasil fracassa em
ambas. Temos não apenas um dos piores sistemas educacionais do planeta como
também uma taxa de poupança historicamente baixa (de 18% do PIB em 2010, contra
52% na China, 32% na Índia, 34% na Indonésia, 32% na Coreia do Sul, 24% no
México e uma média de 30% nos países de renda média, como o Brasil, segundo
dados do Banco Mundial). Esqueça o pré-sal: não estamos conseguindo acumular o
combustível que realmente importa para impulsionar nosso desenvolvimento.
Esses dados são costumeiramente
expostos nas páginas de jornais e revistas, e a análise que sempre os
acompanha, tanto no caso da poupança quanto no do ensino, é que é tudo culpa do
governo. Que não planeja o longo prazo, que não controla gastos, que é corrupto
e perdulário. Tudo isso é verdade, mas nosso governo não é um ente exógeno que
chegou do espaço sideral para meter a mão em nossos impostos: nós o colocamos
lá. E, apesar de ser doloroso reconhecê-lo, as ações dos políticos espelham as
nossas.
Olhe para a nossa vida privada.
Literalmente, desde o seu nascimento o brasileiro sai em desvantagem, pela
impaciência de mães e médicos: nossa taxa de partos por cesariana (44% em 2011)
é a mais alta do mundo, segundo a Unicef. A incapacidade de se controlar está
chegando também à nossa cintura: logo que as famílias saíram da pobreza e
passaram a poder consumir um pouco, o perfil nutricional do brasileiro passou
da subnutrição diretamente para o sobrepeso. Entre 1989 e 2009, a obesidade
infantil mais do que quadruplicou. Hoje, um de cada seis meninos de 5 a 9 anos
de idade é obeso. Segundo o Ministério da Saúde, 49% dos brasileiros têm
sobrepeso.
Quando falamos de escolas, a
indisposição do brasileiro para sacrifícios é ainda mais aparente. Em Xangai,
fui visitar a família de um aluno humilde escolhido aleatoriamente e vi algo
que imagino ser raríssimo no Brasil: no modesto quarto e sala da família, os
pais dormiam em um apertado sofá-cama na minúscula sala ao lado da cozinha,
enquanto o filho tinha o quarto espaçoso para si. A prioridade era o estudo do
filho.
Quando você leu o título deste
artigo, provavelmente respondeu a si mesmo: "Eu faria de tudo pelo meu
filho". Mas, se você for um brasileiro normal, a resposta real terá sido:
"Tudo, desde que não atrapalhe o meu estilo de vida". Você topa
trabalhar duro para pagar uma boa escola, e acha que por isso mesmo é que a
escola não deve exigir de você que se envolva com os estudos do filho quando
chegar em casa cansado, à noite. Várias vezes eu vi pais carregando filhos
pequenos chorosos em restaurantes em horários em que estes deveriam estar
dormindo. Há dois meses, usando a mesma lógica do "não tinha com quem
deixar a criança", um sujeito levou o filho de 8 anos para explodir e
roubar um caixa eletrônico. Já ouvi muito pai querendo colocar o filho em
escola perto de casa — raramente encontro gente se mudando para deixar o filho
mais próximo de escola boa.
Entre
poupar para dar uma segurança aos seus filhos e comprar a geladeira nova, você
opta pela geladeira. Mesmo que nem tenha o dinheiro e se comprometa com
prestações a perder de vista. Entre renegociar uma Previdência impagável e
empurrar o problema com a barriga, escolhemos o segundo. E, quando a nossa irresponsabilidade
cobra a fatura, queremos que o governo segure nossas pontas. O livro A
Cabeça do Brasileiro mostra
que 83% de nós concordamos que o governo deve socorrer empresas falimentares.
Inacreditáveis 70% gostariam que o governo controlasse os preços de todos os
produtos do país. Queremos o retorno garantido, sem topar correr os riscos.
Queremos desfrutar tudo aquilo que os países ricos têm, sem termos de trabalhar
o que eles trabalharam para chegar lá. Queremos um futuro glorioso, desde que
isso não signifique sacrificar nada do presente. Essa conta não fecha. Jamais
fechará.
Antes de exigir dos outros que
melhorem nossas escolas, hospitais ou estradas, vamos precisar olhar para nós
mesmos e decidir se estamos dispostos a pagar, com sacrifícios no presente, o
preço de ser o país do futuro. Ou se continuaremos a ser a eterna promessa, que
comeu o doce da mesa assim que o adulto saiu da sala.